Matéria para o dia dos Pais – Admilson e Paulo
Casal gay faz adoção tardia de irmãos e alfabetiza criança de 9 anos em 2 meses.
Da Redação – Isabela Mercuri
Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto
Alejandro e Victor Hugo em primeiro plano, e os pais no reflexo do espelho
Os garotos viviam no Lar da Criança, em Cuiabá, até o casal aparecer com a casa e o coração abertos para a adoção. Casados há quase oito anos, Paulo e Admilson decidiram que queriam adotar filhos para que a família ficasse completa.
Admilson (fundo) e Paulo (frente); (Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto)
Os dois namoraram somente nove meses até decidirem que queriam viver juntos. Admilson, professor, e Paulo, chef de cozinha, foram para a casa própria em 2010 e desde então sentiram que ‘faltava algo’. “Eu sempre quis ter filhos, sempre quis adotar. Depois que me casei, parecia que faltava algo para ser uma família de verdade”, contou Paulo, em entrevista ao Olhar Conceito na tarde do dia oito de agosto, em sua casa.
Admilson assumiu sua homossexualidade mais tarde do que o companheiro, e, também por isso, sua vontade de ser pai sempre ficou ‘velada’. Quando decidiram que iriam adotar, a ideia inicial era que queriam crianças de até cinco anos, independente do sexo e da cor. Poderiam ser até dois filhos. “A gente pensava que uma criança de até cinco anos ainda não teria as ideias formadas, e poderia aceitar melhor nossa orientação sexual”, explicou Admilson. As ‘ideias’, no entanto, logo foram repensadas.
Alejandro (ao fundo) e Victor Hugo (desfocado); (Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto)
“Na primeira ligação que recebemos do lar, eles disseram que tinha dois meninos lá, um de sete e um de nove anos, irmãos. Na hora eu pensei que seria muito difícil por eles serem mais velhos. Fiquei preocupado principalmente com o Paulo, porque ele é muito sentimental. Disse que ele poderia se decepcionar e magoar se as crianças não compreendessem nossa orientação sexual”, admitiu Admilson. Paulo, por outro lado, não viu dessa forma. “Ele me perguntou na hora se então a gente ia renegar os meninos sem nem conhecer. Ele falou, ‘e se ninguém mais adotá-los?’”.
Victor Hugo e Alejandro são irmãos biológicos, negros, meninos e de idade avançada para o padrão das adoções no Brasil, ou seja, exatamente o contrário do perfil de crianças tidas como ‘ideais’, que são procuradas nos abrigos. De acordo com os dados do Cadastro Nacional de Adoção, atualmente estão cadastrados no Brasil 37.050 pretendentes que querem adotar, e 6864 crianças esperando por adoção.
Os irmãos viviam no Lar da Criança, em Cuiabá (Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto)
A diferença discrepante nos números, e o fato de as crianças ainda estarem órfãs vem das ‘preferências’. Ainda segundo esses dados, 19.292 pretendentes não aceitariam crianças negras, 25.740 pretendentes não aceitam adotar irmãos. Somente cinquenta e quatro pretendentes aceitariam crianças de até 14 anos de idade.
“Crianças brancas, com até três anos de idade e meninas são as crianças procuradas, as crianças ideais. Nos lares não existem crianças ideais, existem crianças reais”, desabafa Admilson. Foi pensando nisso que os dois se deslocaram até o Lar para conhecer os meninos. A assistente social foi a primeira a falar com as crianças e explicar a situação. “Eu nem liguei. Não importava se seriam dois pais, duas mães, um pai e uma mãe. Eu só queria ter uma família”, relembrou Alejandro, o caçula.
“Depois disso a gente se encontrou com eles. Eu perguntei se eles não se incomodavam de ter dois pais, falei que as outras crianças poderiam tirar sarro. O Victor respondeu que se alguém fizesse isso, ele ia bater neles”, comentou Paulo. “Depois nós explicamos pra ele que não era assim, que não podia bater, mas foi claro que eles não se incomodavam com a situação. Só queriam sair dali. Só queriam ser adotados”.
Nova vida
A vida em família começou com uma festa de chegada, em 14 de agosto de 2015. Depois disso, a rotina se tornou ‘normal’ como a de qualquer ‘família tradicional brasileira’, com a diferença única de que as crianças precisavam se adaptar. Victor Hugo, por exemplo, já estava no terceiro ano da escola quando foi adotado, mas ainda era analfabeto.
“Nós fizemos uma força tarefa, conversamos com os professores, ficamos em cima, colocamos em aula particular. Em dois meses ele estava lendo. Acho legal frisar isso porque muita gente pergunta, o que um casal gay vai ensinar para uma criança? Isso: vai ensinar o que eles não aprenderam em três anos”, desabafou Paulo. Segundo os pais, o amor, carinho e principalmente a preocupação que uma família oferece às crianças influencia no aprendizado. “Quando eles vivem no abrigo, até os professores da escola pensam ‘ah, é criança do abrigo, não vai virar ninguém mesmo’, e não dão atenção”, afirmou.
“O Alejandro deu uma entrevista uma vez dizendo que tinha medo de viver na rua. É isso que oferecemos para eles: segurança. Um lugar onde eles possam crescer bem, felizes e seguros”, afirmou Admilson. Por incrível que pareça, nem mesmo as possíveis adversidades que os pais acreditavam que viriam dos colegas de escola aconteceram. “O Victor tinha outros dois colegas, um tinha dois pais e o outro tinha duas mães. Eles nunca sofreram preconceito por isso”.
“Eu mesmo disse pra minha professora que meu pai era gay, e pedi pra ela falar pra sala. Depois, ninguém fez piada nem nada. Eles só ficaram fazendo um monte de perguntas”, explicou o garoto.
Olhar o sorriso no rosto dos meninos já seria o suficiente para entender que a situação é favorável. Alejandro, hoje, sonha em ser médico. Victor prefere o caminho do sertanejo ou, quem sabe, ser jogador de futebol. Os devaneios infantis podem, por fim, ter uma ponta de realidade. Para quem estava fadado a virar estatística, um bolo de fubá e uma xícara de café à mesa, no meio da tarde e no seio da família, já é um grande evento.
A família unida: Paulo, Admilson, Sasha (cachorrinha), Victor Hugo e Alejandro (Foto: Rogério Florentino Pereira / Olhar Direto)